Figura retirada da internet, link aqui.
Li esse texto em um jornal local, após a leitura disse para mim mesmo: -Simplicidade aliada a uma perspicácia tremenda, visceral, tenho que pedir autorização para reproduzi-lo. O fiz via Facebook, e sua autora gentilmente respondeu autorizando a reprodução. Sorte nossa!
A vida está cheia de "Josés" pessoas que acreditam em seus ideais mas são compelidas a continuarem como estão face a quantidade enorme de aborrecimentos que teriam que enfrentar se autênticas fossem o tempo todo. Por outro lado, talvez, nem seja a questão de ser autêntico, mas de convencer os outros o quanto esperamos que eles façam por nós o que por lógica É NOSSO DIREITO. Confesso! Sou mais um "José". Prometo que vou acordar Cecília, prometo...
Sobre a autora: Membro da UBE e da Academia Araçatubense de Letras. Licenciada em Artes Plásticas (FEBASP), Bacharel em Jornalismo, e pós-graduada em Linguagem e Comunicação (UniToledo). Cronista da Folha da Região. Autora dos livros de poemas: Instantâneos (Massao Ohno); e Vinhos (Nankin); Editora e Revisora, com prazer e orgulho.)
O Negrito no texto foi por mim colocado.
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Ademocrático
Um rapazote, no distante
país Faz de Conta, abre o caderno pleno de páginas por escrever. A professora
quer que alunos criem palavra nova, que não se ache no dicionário e que em
crônica faça sentido.
José começa: Era uma vez um governo democ...
Democrático? Não. Nessa onda de nada gerenciar,
nada organizar e por nada ser responsável o termo “democrático” não fica aquém,
nem além porque simplesmente nada representa, não cabe. Ademocrático é melhor.
Porque o antidemocrático se opõe à democracia, mas
ademocrático é aquele que não vai contra, nem a favor. Muito pelo contrário.
Meio que em cima de muros, detrás de máscaras, apaniguado sob siglas raivosas,
equilibrado sobre gente com preço.
Imagina-se a defender o texto: Profa, quero
dizer ademocraticamente usurpadores. Usurpadores de quê, moleque? Uai, profa,
da moral, do desenvolvimento, segurança, saúde, infraestrutura... Tipo:
ademocrático, o governo que paga pouco, porém adiantado, pelo aluguel de
pessoas-base que comprometerão o futuro de todos.
Bela definição!
José se anima e desenha o título da redação: O
Barato Sai Caro. Segue desenhando pensares: Era uma vez uma ademocracia
estática feito lixo tóxico, que de parada purgava quilos de podridão a
encharcar os solos, e o sê-lo de cada ser, dia e noite impregnando entornos num
lento escoar de azedos chorumes por nascentes, rios, mares...
José, pesquisa. Navega e lê que em países
evoluídos poluir águas ou terras resulta em pesadas multas. Em seu país a multa
existe, mas dado que certa empresa do Governo Federal polui o mesmo rio há anos
sem nunca tomar a mais mínima providência, não funciona. Descobre que em Faz de
Conta navios chegam trazendo muitos contêineres de lixo tóxico vindos de terras
ricas e suas indústrias altamente poluentes. Como entrariam sem encontrar
autoridades corruptas com facilidade? Deve ser porque aos países cumpridores da
lei o mais barato é pagar o transporte e comprar os corruptos de países nada
sérios.
José segue clicando. Uma página eletrônica após
outra garante: lixo tóxico é sinônimo de câncer e envenenamentos. E porque povo
estudado produz políticos cultos, países ricos não envenenam a própria terra.
Assim os altamente industrializados podem e querem pagar para descartar seus
resíduos sólidos onde a corrupção brotar mais fácil que a soja.
Então em Faz de Conta acontece uma propaganda
para convencer o povo de que lixo é riqueza. E mesmo sabendo que nenhuma lei os
levará à cadeia, buscam modificar a lei dos resíduos sólidos porque é mais
barato e menos desgastante para a imagem pública evitar os longos julgamentos.
Quem tem cargo sem consciência não se importa se
o que virá serão embalagens cheias de restos de agrotóxicos, de produtos
radioativos em decomposição, de lixo hospitalar altamente contaminado e outras
velhacarias. Porque não nos enviarão recicláveis, claro! E quem envia, sem
querer, ou talvez querendo, mata dois coelhos de uma só cajadada: livra-se dos
dejetos e acaba com a concorrência do país do futuro.
Faz de Conta ainda não se ajoelhou, chapéu na
mão, morto de fome, no fundo do poço para achar que lixo é luxo, escreve José
em sua indignação para com os ademocratas e suas putrefações contaminantes. Se
ninguém contiver a ganância pública o povo morrerá à míngua no mais lento
condenar. Talvez não os filhos, mas com certeza os netos e bisnetos da nação.
De repente José cai em si, e se a professora,
tão subjugada ao sistema, der nota baixa só por discordar? Tanto professor
coerente no mundo, fui cair com essa, suspira José.
Um luto de viver penetra nosso quase herói.
Acomodando as entranhas, José toma da borracha e reescreve o título de sua
redação a fim de cavar outro inútil enquadrante dez: Minhas Férias.
Tanta gente no mundo! Que lutem por mim, conclui
ademocraticamente.
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