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Enquanto isso numa terra tão, tão distante... Imagem retirada da internet, link aqui, |
Quatro palpites sobre um bate-boca.
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O sinal dos tempos no Supremo tem sido o estilo sincero e desabrido —
honesto pela raiz — do estruturalismo de Joaquim Barbosa
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ARTIGO - ROBERTO DAMATTA
Publicado:21/08/13 - 0h00
Quando menino, minha avô Emerentina me solicitou um palpite para o jogo
do bicho, uma atividade que ela praticava com a mesma religiosidade com que
fazia as suas orações matinais. Pensei num filme de Tarzan e chutei: elefante!
O elefante deu na cabeça e dela recebi um dinheiro que virou bombons de
chocolate.
São 25 bichos, conforme determinou o cânone do Barão de Drummond, o
inventor disso que Gilberto Freyre dizia ser um “brasileirismo”. Algo
genuinamente brasileiro, ao lado da feijoada, das almas do outro mundo, do
samba, da corrupção oficial, do suposto orgasmo das prostitutas e do “rouba mas
faz”. Quanta inocência existe entre nós. É de enternecer.
Palpite 1
(avestruz)
O ministro Joaquim Barbosa tem sido tratado como um Drácula brasileiro
por dizer o que pensa e sente. Mas, no Brasil, eis o meu primeiro palpite,
somos todos treinados a não dizer o que pensamos. Seja porque seríamos presos
por corrupção ou tomados como desmanchadores de prazer; seja porque faz parte
de nossa persistente camada aristocrática não confrontar o outro com a tal
“franqueza rude” a ser reprimida por sinalizar não o desrespeito, mas um
igualitarismo a ser evitado justamente porque nivela e subverte hierarquias.
Somos a sociedade da casa e da rua. Em casa somos reacionários e sinceros;
na rua viramos revolucionários e ninjas — a cara encoberta. Somos imperais em
casa, quando se trata das nossas filhas, e fervorosos feministas em público,
com as “meninas” dos outros. Observo que, quando há hierarquia, não há debate
nem discórdias; já o bate-boca é igualitário e nivelador. Por isso ele é
execrado entre nós, alérgicos a todas as igualdades. Discutir é igualar, de
modo que as reações de Joaquim Barbosa assustam e surpreendem. Afinal, ele é um
ministro. Como pode se permitir tamanha sinceridade? O superior não deveria
discutir, mas ignorar e suprimir.
Palpite 2 (águia)
Um presidente da instância legal mais importante do país que esconde por
educação suas valores seria um poltrão? E isso, leitor, é justamente o que esse
Joaquim Barbosa, negro e livre, não é e não quer ou pode ser. Na nossa
sociedade, você está fora do eixo (ou da curva) até o eixo entrar nos eixos. Ai
você vira celebridade e começa a ser fino como um aristocrata. Na oposição seu
senso crítico é gigantesco, mas no dia em que você vira governo surgem as
etiquetas reacionárias. Eu queria ir, você diz, mas a minha assessoria impediu.
Não ficaria bem...
Afinal ator e papel não podem operar como um conjunto? Ou devem agir se
autoenganando para serem permanentemente elogiados como “espertos” ou
“malandros”? Esse apanágio do nosso sistema político que glorifica a hipocrisia
e condena a opinião pessoal sincera que, em circunstâncias gravíssimas como a
que estamos vivendo no momento, exige o confronto e consequentemente a desagradável
rispidez da discórdia?