![]() |
Imagem retirada da internet, link aqui, |
Artigo escrito por: Fernando Henrique Cardoso
Beijar a cruz
Publicado em
02/06/2013.
Já passou da hora de
o governo do PT beijar a cruz. Afinal, muito do que ele renegou no passado e
criticou no governo do PSDB passou a ser o pão nosso de cada dia da atual
administração. A começar pelos leilões de concessão para os aeroportos e para a
remodelação de umas poucas estradas. No início procurava mostrar as diferenças
entre “nós” e “eles”, em seu habitual maniqueísmo. “Nossos leilões”, diziam,
“visam a obter a menor tarifa para os pedágios”. Ou, então, afirmavam, “nossos
leilões mantêm a Infraero na administração dos aeroportos”. Dessas “inovações”
resultou que as empresas vencedoras nem sempre foram as melhores ou não fizeram
as obras prometidas. Pouco a pouco estão sendo obrigados a voltar à
racionalidade, como terão de fazer no caso dos leilões para a construção de
estradas de ferro, cuja proposta inicial assustou muita gente, principalmente
os contribuintes. Neles troca-se a vantagem de a privatização desonerar o
Tesouro pela obsessão “generosa” de atrair investimentos privados com o
pagamento antecipado pelo governo da carga a ser transportada no futuro...
Ainda que renitente
em rever acusações feitas no passado (alguns insistem em repeti-las), a
morosidade no avanço das obras de infraestrutura acabará por levar o governo
petista a deixar de tentar descobrir a pólvora. Já perdemos anos e anos por
miopia ideológica. O PT não conseguiu ver que os governos do PSDB simplesmente
ajustaram a máquina pública e as políticas econômicas à realidade
contemporânea, que é a da economia globalizada. Tomaram a nuvem por Juno e
atacaram a modernização que fizemos como se fosse motivada por ideologias
neoliberais e não pela necessidade de engajar o Brasil no mundo da internet e
das redes, das cadeias produtivas globais e de uma relação renovada entre os
recursos estatais e o capital privado.
Sem coragem para
fazer autocrítica, o petismo foi pouco a pouco assumindo o programa do PSDB, e
agora os críticos do mais variado espectro cobram deste o suposto fato de não
ter propostas para o Brasil... Entretanto, a versão modernizadora do PT é
“envergonhada”. Fazem malfeito, como quem não está gostando, o que o PSDB fez e
faria bem feito, se estivesse no comando.
Agora chegou a vez
dos portos. Alberto Tamer – e presto homenagem a quem faleceu deixando um
legado de lucidez em suas colunas semanais –, na última crônica que fez no
Estado de S. Paulo: “Foi Fernando Henrique Cardoso que abriu os portos”,
recordava o esforço, ainda no governo Itamar Franco, quando Alberto Goldman era
ministro dos Transportes, para dinamizar a administração portuária, abrindo-a
à cooperação com o setor privado, pela Lei 8.630 de 1993. Caro custou tornar viável
aquela primeira abertura quando eu assumi a Presidência. Foi graças aos
esforços do contra-almirante José Ribamar Miranda Dias, com o Programa
Integrado de Modernização Portuária, que se conseguiu avançar.
Chegou a hora para
novos passos adiante, até porque o Decreto 6.620 do governo Lula aumentou a
confusão na matéria, determinando que os terminais privados só embarcassem
“carga própria”. Modernizar é o que está tentando fazer com atraso o governo
Dilma Rousseff. Mas, aos trancos e barrancos, sem negociar direito com as
partes interessadas, trabalhadores e investidores, sem criar boas regras de
controle público nem assumir claramente que está privatizando para aumentar a
eficiência e diminuir as barreiras burocráticas. Corre-se o risco de repetir o
que já está acontecendo nos aeroportos e estradas: atrasos, obras malfeitas e
mais caras etc. No futuro ainda dirão que a culpa foi “da privatização”... Isso
sem falar do triste episódio das votações confusas, tisnadas de suspeição e de
resultado final incerto no caso da última Lei dos Portos.
A demora em perceber
que o Brasil estava e está desafiado a dar saltos para acompanhar o ritmo das
transformações globais tem sido um empecilho monumental para as administrações
petistas. No caso do petróleo foram cinco anos de paralisação dos leilões.
Quanto à energia em geral, a súbita sacralização do pré-sal (e
correspondentemente a transformação da Petrobras em executora geral dos
projetos) levou ao descaso no apoio à energia renovável, de biomassa (como o
etanol da cana-de-açúcar) e eólica. Mais ainda, não houve preocupação alguma
com programas de poupança no uso da energia. Enfim, parecem ter assumido que,
já que temos um mar de petróleo no pré-sal, para que olhar para alternativas?
Ocorre, entretanto,
que a economia norte-americana parece estar saindo da crise iniciada em 2007/8
com uma revolução tecnológica (de discutíveis efeitos ambientais, é certo) que
barateará o custo da extração dos hidrocarburetos e colocará novos desafios ao
Brasil. A incapacidade de visão estratégica, derivada da mesma nuvem ideológica
a que me referi, acrescida de um ufanismo mal colocado, dificulta redefinir
rumos e atacar com precisão os gargalos que atam nossas potencialidades
econômicas ao passado. Não é diferente do que ocorre com a indústria
manufatureira, quando, em vez de perceber que a questão é o de reengajar nossa
produção nas cadeias produtivas globais e fazer as reformas que permitam isso,
faz-se um política de benefícios esporádicos, ora diminuindo impostos para
alguns setores, ora dando subsídios ocultos a outros, quando não culpando o
desalinhamento da taxa de câmbio ou os juros altos (os quais tiveram sua dose
de culpa) pela falta de competitividade de nossos produtos.
As dificuldades
crescentes do governo em ver mais longe e administrar corretamente o dia a dia
para ajustar a economia à nova fase do desenvolvimento capitalista global (como
o PSDB fez na década de 90) indicam que é tarde para beijar a cruz, até porque
o petismo não parece arrependido. Melhor mudar os oficiantes nas eleições de
2014.
0 comentários:
Postar um comentário
Comente, discuta, reflita, sua opinião é muito importante!.