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Um americano que vale a pena ouvir.
Entrevista - Norman Gall link original:http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx
Revista Veja - 12/11/2012 - Malú Gaspar.
O pré-sal vai atrasar
muito Um dos mais perspicazes analistas da sociedade brasileira diz que é preciso se
ver livre do viés estatizante e reformar as instituições para fazer o Brasil subir de patamar.
Vivendo há 35 anos no
Brasil, o americano Norman Gall, diretor executivo do Instituto Fernand Braudel
de Economia Mundial, acabou por se tornar um dos mais perspicazes observadores
dos rumos do país.
Nessa condição,
produziu recentemente um amplo e detalhado relatório sobre os desafios do
pré-sal, no qual alerta: a exploração das riquezas da nova fronteira petrolífera vai atrasar em pelo menos cinco anos. Pesquisador incansável e obsessivo (hábito dos tempos em que foi correspondente estrangeiro), Gall, prestes a completar 80 anos, ainda faz questão de viajar para conferir in loco os temas que são objeto de suas pesquisas. De viagem em viagem, identificou no cronograma do pré-sal entraves como falta de mão de obra, estrangulamento financeiro da Petrobras e, acima de tudo, a mesma visão estatizante que empaca os recém-lançados pacotes para ferrovias, energia elétrica e aeroportos. "Essa não é uma maneira inteligente de gerir a infraestrutura nacional", afirma, na entrevista concedida a VEJA em seu apartamento, em São Paulo.
pré-sal, no qual alerta: a exploração das riquezas da nova fronteira petrolífera vai atrasar em pelo menos cinco anos. Pesquisador incansável e obsessivo (hábito dos tempos em que foi correspondente estrangeiro), Gall, prestes a completar 80 anos, ainda faz questão de viajar para conferir in loco os temas que são objeto de suas pesquisas. De viagem em viagem, identificou no cronograma do pré-sal entraves como falta de mão de obra, estrangulamento financeiro da Petrobras e, acima de tudo, a mesma visão estatizante que empaca os recém-lançados pacotes para ferrovias, energia elétrica e aeroportos. "Essa não é uma maneira inteligente de gerir a infraestrutura nacional", afirma, na entrevista concedida a VEJA em seu apartamento, em São Paulo.
Por que o Brasil está crescendo em ritmo tão lento quanto
o de economias fortemente impactadas pela crise financeira mundial?
Apesar de não ter
sido diretamente atingido pela crise, o Brasil padece de vulnerabilidades que
também custaram caro aos Estados Unidos e à Espanha nestes anos: incentivo
exagerado ao consumo, pouco investimento, produtividade estagnada e um pesado endividamento
por parte das famílias, que estão com 25%, 30% de sua renda comprometida com empréstimos.
E o governo continua criando formas de incentivá-las a consumir ainda mais,
quando deveria, isto sim, promover a poupança e mais investimentos. O risco
desse equívoco é a volta da inflação crônica. É verdade que o Brasil já conta
com um conjunto de instituições sólidas, mas elas também não têm ajudado a
fomentar o desenvolvimento. Não vejo outro caminho senão encarar a dura tarefa
de reformá-las. Só assim poderemos elevar a um novo patamar duas áreas
cruciais: educação e infraestrutura. Se não avançarmos aí, o país pode perder a
capacidade de gerir grandes projetos, daqueles que transformam as feições de
uma nação. Isso já está acontecendo.
O senhor poderia dar um exemplo?
O caso do pré-sal é
emblemático. Os gargalos de mão de obra e as deficiências de infraestrutura
estão entre os entraves para que a produção deslanche. O desafio de retirar
essa riqueza do fundo do mar é monumental, mas vem sendo tratado com
superficialidade, sem um plano mais completo e consequente para alcançar metas
tão ambiciosas. Nenhum país triplicou sua produção offshore de 2 milhões de
barris diários para 6 milhões em tão pouco tempo e em águastão profundas, como
está sendo proposto. Isso não quer dizer que não seja possível. Os recursos e a
tecnologia estão lá. Mas, infelizmente, em mais de dois anos de discussões no
Congresso Nacional a única preocupação dos parlamentares foi definir quem vai
ficar com o dinheiro.
Ninguém estudou os reais
obstáculos a superar. Ignoraram-se questões graves como o fato de a Petrobras
ser obrigada a operar 30% de todos os novos campos do pré-sal. Esse é, para
mim, o principal problema. Nenhuma petroleira no mundo, por mais ágil e
competente que fosse, teria condições de operar tudo sozinha.
O governo superestimou a capacidade de investimento da
Petrobras?
Houve muita politicagem aí. O governo conhecia
as limitações na capacidade de investimento e de execução da Petrobras. Tanto
que fez o malabarismo de injetar dinheiro do Tesouro no BNDES para que o banco
o repassasse à estatal sem sobrecarregar as contas públicas às vésperas da
eleição presidencial de 2010. Tudo muito ligeiro e pouco sério, como se fosse
corriqueiro desenvolver, do nada, uma fronteira petrolífera dessa grandeza.
A produção brasileira
de petróleo vem diminuindo. Não era de esperar que ocorresse exatamente o contrário?
Sem dúvida. Há razões bastante objetivas para entender o que está acontecendo,
e elas estão relacionadas à maneira como se tem lidado com as questões do
petróleo no Brasil. Por problemas de gestão, plataformas paralisaram suas
atividades para manutenção justamente quando os poços da Bacia de Campos
chegaram à fase madura, com taxas de declínio da produção entre 10% e 20% ao
ano. Faltam ainda fornecedores de equipamentos essenciais para atender a um programa
tão ambicioso como o pré-sal.
Faz sentido privilegiar o conteúdo nacional, sob algum
ponto de vista?
Em tese, faz. Contar
com fornecedores locais poderia até ser um diferencial competitivo, mas
desenvolver uma cadeia desse porte e sofisticação leva tempo. E há uma urgência
por sondas e plataformas que o mercado nacional não é capaz de suprir. Em uma
atitude incompreensível, o governo fez a coisa ficar ainda mais difícil, contratando
estaleiros virtuais comandados por empreiteiras que nunca fizeram uma sonda
sequer.
Por causa desse tipo
de insensatez, a Petrobras está perdendo a reputação de empresa séria,
duramente conquistada. Segundo seus estudos, em que medida esses obstáculos aos quais o senhor se refere terão impacto na exploração do pré-sal? Eles já estão atrasando os planos. A previsão era que o pré-sal estivesse em plena produção em 2020, mas o horizonte mais realista, dadas as circunstâncias atuais, é isso ocorrer por volta de 2025, 2030.
duramente conquistada. Segundo seus estudos, em que medida esses obstáculos aos quais o senhor se refere terão impacto na exploração do pré-sal? Eles já estão atrasando os planos. A previsão era que o pré-sal estivesse em plena produção em 2020, mas o horizonte mais realista, dadas as circunstâncias atuais, é isso ocorrer por volta de 2025, 2030.
O pacote de medidas
que a presidente Dilma Rousseff lançou recentemente para tentar solucionar os problemas
de infraestrutura não pode melhorar o cenário? Os pacotes lançados pelo governo
para o setor se valem de algo extremamente questionável: o desrespeito às
regras do jogo. O Brasil lutou muito para consolidar no exterior sua imagem de
país que honra contratos.
Mas, agora, não há
mais segurança de que o que foi acordado continuará a valer em áreas como
transportes e energia elétrica, em que a presidente mudou tudo de uma hora para
outra, rasgando contratos já assinados. Até outro dia, o modelo que prevalecia
na gestão da infraestrutura nacional era o da concessão. Os empresários competiam
em leilões, assumiam os ativos, investiam e cobravam tarifas que remunerassem a
empresa e os acionistas. Isso vai mudar. O governo está impondo novas regras
que transformam os empresários em prestadores de serviços mal remunerados.
Quais são as consequências disso?
Os leilões dos
aeroportos são uma mostra. As condições das concorrências não proporcionaram margens de lucro atraentes o
suficiente para empresas com experiência e reputação. O resultado foi o que
todos viram: novatos jogaram os preços lá embaixo e ganharam o leilão. Alguém
duvida que, lá na frente, vão querer renegociar os valores? A meu ver, essa não
é uma forma inteligente de gerir a infraestrutura nacional.
A lei dos royalties que o Congresso
acaba de aprovar são um exemplo de quebra de contrato?
São. Não dá para
deixar o texto do jeito que está. Assim, os investidores vão acabar fugindo dos
leilões de novos campos de petróleo ou passarão a questioná-los nos tribunais.
Isso poderia adiar ainda mais as licitações, tão importantes para o país.
Vários empresários
comemoraram o novo modelo de concessão de ferrovias, argumentando que os investimentos
se tornaram viáveis justamente porque o governo lhes garantiu a demanda pelos serviços.
O senhor concorda com essa estratégia? Não. O governo está tomando medidas que exacerbam
o controle estatal sem melhorar a gestão e aumentam o risco de fazer negócios
no país.
O senhor acha que faltam quadros de alta qualificação na
máquina pública para gerir projetos de tamanha dimensão e complexidade?
A questão não é essa.
O Brasil não está tão pobre de recursos humanos assim. Temos boas cabeças,
gente que conhece ao mesmo tempo os meandros da máquina pública e o mercado, e
sabe lidar com o empresariado.
O que falta mesmo é
adotar critérios econômicos sérios que façam sair do papel os grandes projetos.
O Congresso Nacional
acaba de aprovar uma lei que determina um gasto público equivalente a 10% do PIB
com educação. Essa iniciativa pode ajudar a diminuir os gargalos de mão de obra
a que o senhor se refere? Não adianta destinar mais dinheiro às escolas se não
há critérios claros sobre como aplicálo nem fiscalização efetiva sobre os
desvios. Assim como ocorre com o pré-sal, há problemas prioritários a resolver
antes de pensar em aumentar as verbas.
Pouco ou nada vai
adiantar fazer crescer os recursos da educação sem implementar as mudanças
necessárias no sistema ineficaz que temos hoje no Brasil.
O que é prioritário mudar?
O ensino público
precisa de padrões curriculares nas faculdades de pedagogia que verdadeiramente
preparem o professor para dar uma boa aula. Defendo a ideia de que a formação
dos docentes seja avaliada em um exame nacional que permita aperfeiçoá-la.
Hoje, não se exigem esforço nem produtividade no ensino público. Os professores faltam, não cumprem
horários e passam pouca lição de casa. É comum encontrar, até mesmo entre os
alunos mais dedicados, quem conclua o ensino médio sem nunca ter feito uma
redação. Isso ajuda a entender por que o brasileiro escreve tão mal. Fala-se em
mais verbas para a educação sem antes tratar dos maus gastos feitos com o
dinheiro já existente. Se os constantes desvios dos fundos federais destinados
ao transporte escolar e à merenda continuarem, o único efeito desse aumento
será dar mais dinheiro aos corruptos. (grifo e negrito meu).
O senhor acha que o julgamento do mensalão fará com que
os corruptos no Brasil passem a ter motivos para temer punição?
A condenação dos réus
pode ser entendida como um avanço institucional, mas o Brasil precisa avançar
muito ainda em seu sistema judiciário para tornar o combate à corrupção mais
eficaz. O Supremo levou sete anos para começar a julgar o caso e já gastou três
meses nesse processo, o que é muito caro para o estado. Aliás, o mensalão nem
deveria ser um caso para o Supremo. Nos países avançados, o tribunal superior
só trata de questões constitucionais. Do contrário, ficaria afogado. O sistema
judiciário brasileiro administra 83 milhões de causas. O Supremo tem mais de
100.000 processos. É coisa de louco.
Quais são então as lições deixadas pelo julgamento?
A grande lição é que
é preciso estruturar o estado para que ele se defenda da corrupção,
independentemente do partido que esteja no poder. Casos de roubo do dinheiro da
merenda escolar, do transporte público ou da manutenção das escolas são
rotineiros. Fazem parte do metabolismo da política no Brasil.
Combatê-los é
responsabilidade do Ministério Público e da Polícia Federal, que nem sempre
cumprem sua função como esperado. Juntase a essa falha institucional um traço
cultural muito forte, na linha do "isso não é comigo". Sem fiscalização
nem cobrança, abre-se espaço para incentivos a mais desvios do dinheiro
público, num ciclo vicioso perverso.
De que incentivos o senhor está falando?
Um país onde as
empreiteiras projetam e propõem as obras que devem ser feitas para depois
administrá-las tem, sem dúvida, um problema sério. É por isso que bato na tecla
de que reformar as instituições pode torná-las mais fortes e resistentes ao
bote dos políticos. Não é tão difícil assim fazer isso. É preciso construir uma
agenda de consenso ouvindo gente de todos os matizes, para chegar a uma lista
de providências básicas. Só quando o Brasil alcançar esse ponto será possível
romper com a lógica viciada que contamina a política brasileira e emperra o crescimento do país.
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